Portadores de Autismo e cancelamento unilateral do plano de saúde: abuso e ilegalidade?

Com o avanço dos estudos sobre o transtorno do espectro do autismo – TEA, hoje se entende que a abordagem multiprofissional é um dos métodos mais eficiente e eficaz para o desenvolvimento comportamental dos portadores de autismo.

Dentro dessa abordagem multiprofissional, é comum a indicação de atuação conjunta de neuropediatras, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, psicomotricidade, dentre outros. Além disso, há a necessidade do uso de métodos específicos para o desenvolvimento do comportamento, como a Análise do Comportamento Aplicada ou, como é popularmente denominada, método ABA (do inglês, Applied Behavior Analysis).

O custeio de tantos procedimentos é notoriamente elevado, de modo que a maioria dos cidadãos brasileiros não possuem recursos financeiros suficientes para arcar com os múltiplos tratamentos e, por outro lado, o sistema público de saúde não oferece a totalidade das técnicas necessárias sendo deficiente. Assim, busca-se a contratação de planos de saúde.

Porém, nos primeiros meses de 2024, temos visto diversas reportagens dos mais variados veículos de comunicação noticiando uma prática abusiva por parte das operadoras de planos de saúde: o cancelamento unilateral do contrato de pessoas portadoras de TEA.

As justificativas das empresas para o cancelamento do contrato são várias, indo desde a situação contratual com outras corretoras de seguro (empresas que administram contratos de plano de saúde para as operadoras) à situação de inadimplência por mais de 60 (sessenta) dias.

Na prática, esse cancelamento unilateral do contrato é, em regra, uma tentativa das operadoras de plano de saúde em selecionar seus clientes, fazendo com que apenas aqueles como necessidades mais baratas possam ter os serviços.

Ou seja, há, em geral, a realização de um filtro para que só permaneçam no plano de saúde aqueles segurados/clientes que o usem menos ou que os procedimentos de que necessitam não sejam elevados.

A esta situação denominou-se hipótese de seleção de riscos, prática que tem por objetivo afastar ou dificultar, por meio de artifícios contratuais (e.g., aumento de preços, tipo de contrato, percentual de coparticipação etc.), o ingresso ou continuidade do contrato de pessoas que trazem à operadora de saúde maior custo, como idosos, pessoas com deficiência (que engloba os portadores de TEA), portadores de transtornos diversos etc.

Mas a hipótese de seleção de riscos é legal? O que determinam as leis que tratam do tema, as resoluções da ANS e o entendimento dos Tribunais brasileiros?

Para responder a estes questionamentos é importante mencionar que a Lei Federal nº 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabeleceu diversas diretrizes e direitos que devem ser observados para possibilitar a efetiva proteção dos portadores de TEA e para assegurar seus direitos.

Nesse sentido, a Lei nº 12.764/2012 disciplinou que os portadores de TEA não poderão ser discriminados por motivo da deficiência, não serão submetidos a tratamento desumano ou degradante e não serão privados de sua liberdade.

Especificamente sobre a participação de autistas em plano de saúde, a referida Lei assim dispõe em seu Art. 5º: “A pessoa com transtorno do espectro autista não será impedida de participar de planos privados de assistência à saúde em razão de sua condição de pessoa com deficiência, conforme dispõe o art. 14 da Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998″.

A Lei dos Planos de Saúde – Lei nº 9.656/98, como expressamente indicado no artigo acima, também traz dispositivo semelhante: “Art. 14.  Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde”.

De seu lado, a Agência Nacional de Saúde – ANS editou súmulas e resoluções normativas sobre o assunto, afirmando categoricamente que não serão permitidas quaisquer outras exigências que não as necessárias para que qualquer pessoa ingresse em um plano de saúde.

A resposta às indagações é invariável: é ilegal e abusiva a prática de seleção de riscos pelas operadoras de plano de saúde na contratação de qualquer modalidade de plano privado de assistência à saúde.

Portanto, se não cabe às operadoras de planos de saúde impedir o ingresso de pessoas portadores de autismo (e outras condições), a rescisão/cancelamento unilateral do contrato é prática ilegal e abusiva que merece a intervenção do Poder Judiciário.

Para mais informações, entre em contato conosco.

Publicado em 08 de maio de 2024 por Tomaz Lobo.

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